sexta-feira, 29 de maio de 2009

Linhas

Uma linha ténue, muito mesmo, separa as realidades das ilusões que geramos emocionalmente.
E é nessa linha que criamos asas e voamos entre o lado de cá e o lado de lá. É aí que os sorrisos são mais genuímos. É nessa linha que somos livres e nos libertamos... É nessa linha que nos aventuramos no escuro de olhos bem abertos... E sorrimos mesmo dos cortes... aqueles pequenos cortes que sabem bem.
É aí que perdemos muitas vezes o pé e a razão... e é tão bom.
É nessa linha que nos permitimos ser nós próprios, sem barreiras, sem medos... sem passado, nem futuro.
É nessa linha que somos felizes no presente... e voamos.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Voltar

Apetece-me escrever e nem sei o quê. Rodo as palavras na ponta dos dedos, na ponta da lingua...
E num jogo perigoso, ao limite, vou-as colocando desordenadamente por ordem.
E mudo tudo alguns segundos depois... e volto a reordenar. Num sorriso com lágrimas.
Uma lágrima... duas... escorrem finalmente pela cara. Depois de terem secado... mais de um ano.
Nenhuma palavra, nenhum argumento as convencia.
E do nada, só pela força da energia... e talvez por isso do tudo... voltaram a escorregar, uma e depois outra, do lado esquerdo da cara. Tive de lhes tocar, não fosse só uma ilusão.
As palavras continuam num rodopio entre a ponta dos dedos e a cabeça. Não param, surgem em correria atribulada, em grupos gigantescos. E depois uma e outra e mais outra sozinhas ou em pequenos grupos. Não há regra.
As palavras nasceram livres, sem regras, sem pressões... as palavras libertam-se e libertam-nos a cada instante e fazem-nos renascer a cada momento parado. Basta saber lê-las. Basta trazê-las ao colo.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Perdão

Que culpas temos nós? Que culpas tenho eu?
Tantas e por tantos anos. Carrego-as num saquinho especial debruado a um fio, muito fino, de ouro. Um saquinho que tenho acarinhado... há tempo demais.
Hoje, ontem e sempre resolvi desatar o nó cego desse saquinho.
Espalhei tudo em cima da mesa da cozinha. E lá estava tudo... mas a capacidade de me agredir enfraquecida.
Espreito aqueles destroços. Ainda a medo.
Causei lágrimas e dores? Claro que sim... a mim... aos outros.
Processos, caminhos. Teve de ser? Provavelmente sim, provavelmente não... Talvez.
Caminhos, processos, progressos. Um atrás, três à frente.
Estou a aprender. A aprender? A aprender português e o sentido dos sentidos.
Estou a perdoar-me. Aos poucos, a medo mais uma vez.
E voltei a ter lágrimas.
Afinal não tinham secado.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Feridas

Basília... Que raio de nome lhe haviam de ter posto. Era o nome da parteira que a custo a obrigou a respirar e pumba... já estava escolhido o nome em homenagem à santinha.
Quantas vezes durante o seu, também ele doloroso, percurso escolar não ouviu, entre a gargalhada geral, perguntarem-lhe, em tom de afirmação, se os pais gostavam mesmo dela.
E Basília carregou consigo o peso de quem custou a nascer, de quem não queria abrir os olhos e respirar... e durante toda a vida levou este seu papel muito a sério.
E mais que ser ferida foi-se ferindo e culpando sempre os outros e o Mundo e os acasos desastrosos.
E há conta de um nome... Basília... não deixou entrar luz. Sempre que esta tentava assomar a uma porta ou a uma nesga de uma janela deixada entreaberta por acaso, Basília apressava-se a fechar tudo outra vez e a correr as pesadas cortinas que a envolviam.
E um dia, quem sabe se o mais feliz da sua existência, os olhos cederam aos cansaço e a respiração acabou por murchar.

"Todos estamos feridos. Mas uns estão mais feridos do que outros. São aqueles que se feriram a si próprios, sem disso darem conta", Baptista-Bastos, in "As bicicletas em Setembro"

terça-feira, 19 de maio de 2009

Pairar...para sempre

Um pequeníssima folha vai pairando, lentamente, calmamente, serenamente, entre um algures no céu e um chão qualquer, que escolherá minuciosamente para poisar.
De tão pequena que mal se vê... de tão pequena que mal se faz notar. Passa entre os sopros fortes de um vento de Primavera que teima em não acreditar que o Verão já chegou. E vai poisando cá e lá, aqui e ali...
E de tão pequena que mal se vê... e de tão pequena que mal se faz notar... faz a diferença. E quando se finca no seu chão sabe que é para ficar... para sempre. Até talvez o sopro de um vento de Outono, que nem reparou na chegada do Inverno, a faça pairar de novo até novas paragens, onde se fincará mais uma vez para sempre.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

JÁ!!!!

Devolve-me o que não é teu e me levaste na tua partida acidentada. Devolve-me já!!!!!
Por mais que te grite há muito que deixaste de me ouvir.
Ao princípio pensei que tinha sido por engano que carregaste no meio das tuas as minhas... o meu ser.
Depois quiz acreditar que era um truque para mais uma vez poderes voltar... com a desculpa ideial da entrega... uma entrega que numa foi total... uma entrega ilusória nos tempos e nos espaços.
Ainda tive a suprema ousadia de acreditar que me querias guardar ilegitimamente junto a ti.
Mas o tempo foi voando e rodopiando à minha volta. Mas o tempo foi-me desalinhando o cabelo, as roupas e pondo os pensamentos estranhamente no lugar. E aí vi que foi por maldade...genuína maldade.
Nem comigo, nem sem mim!!! Um olho por olho, dente por dente!!!
Foste partindo para outras vidas, mas saqueaste a minha antes de a deixares por completo.
Saíste com os despojos da batalha... como um vencedor...
Mas sabes, se calhar já não quero que me devolvas o que me roubaste. Voltará sempre com o teu cheiro entranhado. E isso eu já não quero. Repugna-me.
E sabes, fica com os despojos da tua vitória. Que se transformará em amarga. Porque sempre que olhares para eles saberás que sem mim aquilo que roubaste serão só despojos, sem valor, sem vida, inanimados pelo calor das memórias felizes.
Eu? Eu estou a fazer o exercício mais feliz da minha vida... caminhar... voltar a acreditar... construir um novo sorriso...

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Margens

Uma corda invisível, imperceptível, resistente liga uma margem à outra. Liga-nos um ao outro, na mesma margem, no mesmo lado de cá e no mesmo lado de lá.
Um fio de baba de aranha, que não quebra nunca, mesmo com o peso dos nososs pés, dos nossos corpos, onde a alma é que pesa mais... range.
Respirações contidas, que se contêm, com medo das ondulações das brisas. Mas... esta corda não parte. Evapora-se, sublima-se... mas não se parte.
E uma alma de elefante suspende-se no ar, nos ares... e as respirações retornam... enfim... enfim soltas.
E as aranhas apressam-se a reforçar as cordas que nos prendem, sem nos amarrar. Uma aranha de estimação. Enibriados pelas alturas tentamos fugir às tonturas dos cheiros que queremos agarrar à pele macerada pelo rugir do tempo.
Uma ruga renasce... e outra... e mais mil. E o tempo prende-nos às margens... de cá e de lá. E é nesse fio da navalha que reencontramos os sorrisos perdidos.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Pairar descalça

Vou-me descalçar e andar eternamente descalça. Pisar o chão, todos os chãos que houver para pisar. Sem pisar ninguém, sem pisar alguém. Nunca!
Sentir, simplesmente sentir o chão e o ar que quiser correr entre o chão e os pés. E pairar, suspensa por umas asas imperceptíveis. Sólidas. Que estão completamente à mostra. Finalmente. Fora da caixa onde as fui obrigada a pôr por vontade própria.
Sentir o ar na sola dos pés, nos pés inteiros. Sentir as texturas e as respirações das pedras e das areias... que com o tempo se entranham em nós... pelos dedos dos pés... os mindinhos... só pelos mindinhos, para depois se irem alastrando até se terem impregnado... até os pés mudarem de cor, para um tom ocre... e isso ser confundido com sujidade.
E ficar mesmo com os pés sujos, e de alma lavada. E sorrir com a dor de um corte... ou de muitos pequenos cortes... e voltar a sorrir só porque sim.
Aí saberei que estou viva.
Ou talvez seja só um encantamento, uma ilusão de tão desejados os sentires.
Doce ilusão que me vai embalando pelos caminhos sem sorrisos.
Agarro-a, não a largo. Aperto-a contra o peito até deixar marcas. Mas não a sufoco...

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Sinais em nós

Sinais para dentro e para fora. Sinais de luz, de fogo, de fumo... imperceptíveis... arrasantes.
Sinais dos tempos que são de todos os tempos e de tempo algum.
E arrastamo-nos em sinais que trilham a carne e a marcam.
E carregamos esses sinais na carne, no sangue, na memória... em memórias.
Como animais que se marcam a ferro... por todo um sempre.
E ficamos um número; mais um entre infinitos.
E tudo muda quando ousamos mudar os sinais que o tempo teima em manter colados à nossa pele. E aí arrancamos o sorriso de quem mudou de número... para um número infinitamente finito.
E é a melhor solidão de todas... um não pertencer pertencendo.
É um pertencer a nós... em nós.