quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Riscos e rabiscos

Rabisca umas letras, ensaia uns traços e nada... o vazio sai-lhe das mãos... instala-se na mente.
Um enorme vazio que lhe enche a alma e se espalha pelo corpo... que abandona com frequência num sofá qualquer, num cadeirão ou até mesmo em pé.
Tudo em branco... já foi em negro... já teve as cores de um arco-íris.
E o Mundo que não pára de girar.
E vai rabiscando sem sentido, sem rumo definido nas linhas traçadas.
Vai rabiscando sorrisos, ensaiando regressos em passos de dança com avanços e recuos.
E pelas pontas dos dedos na areia molhada saiem formas desconexas, sem sentido... aparente. Sorrisos perdidos, desperdiçados.
Escolhe a medo uma folha de papel de entre as muitas de um caderno, entre muitos. Escolheu, está escolhida. Branca...vazia. E aí coloca os rabiscos que atirou para a areia de uma praia qualquer entre muitas.
Com um carinho desmedido embala este vazio.
Shiiiiuuuuuuuu!!! Não façam barulho.
E em bicos de pés atira a cabeça para trás, descai o corpo, sente a humidade da areia entranhar-se-lhe em todos os poros... o lápis rola-lhe da mão... os rabiscos ficam marcados... o vazio a espaços também.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Lugares

Hilda abriu bem o mapa em cima do capot do carro. Endireitou as dobras e olhou paras as linhas coloridas das estradas e caminhos durante uma vida. Sulcos... Rachas... Tudo cravado na pele com décadas de histórias para narrar.
"Mãe, tu lês e eu conto"... "Era uma vez o patinho Alvinho...". Hilda sorriu num todo.
Voltou a olhar os caminhos traçados no seu mapa, enquanto uma lágrima lhe escorregava cara abaixo e acabava por molhar o pé esquerdo... enfiado numa das chinelas... daquelas que se vendem sempre aos pares e que Hilda sempre desemparelhou.
Hilda escolheu... escolheu não ser assim... escolheu não ir por ali... e por isso o seu mapa tem tantos traços e a sua cara tantos caminhos gravados a fogo.
Voltou a dobrar o mapa, que guardou no meio das folhas de um jornal ... seguiu caminho... o seu caminho... parou em mais não sei quantos lugares... criou mais uns quantos sorrisos e mais uma mão cheia de recordações e voltou a seguir.
Segue sempre... seguirá sempre... e o vento soprará para sempre o seu nome... baixinho... num sussurro... hiiillldaaaaa... hiiiillldaaaaaa...

"Não estando disposto a esperar que a humanidade venha alguma vez a ser melhor... Jeremias escolheu o seu lugar do lado de fora", Jermias, o Fora da Lei - Jorge Palma

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

E vai ser sempre assim...

E a vida é assim... joga... baralha... dá... joga... baralha... e volta a dar.
E a história é a assim... repete-se... em ciclos.
E a cabeça é assim... cresce... muda... volta a crescer... mantém as bases.
E alma é assim... volta... revolta-se... revira-se... serena e agita-se... ama... adora... morre e ressuscita... vive!!!
E o sorriso é assim... abre... esmorece... volta... perde-se e acha-se... resgata-se.
E a honestidade é assim... está cá sempre, ao lado da almofada... doa a quem doer.
E o corpo cresce, move-se, contorce-se, torna-se maior, mais pequeno, engrandesse à medida da alma... à medida da honestidade... à medida de um todo... à medida de um Mundo.
E vai ser sempre assim...

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Gostava

Gostava de escrever sobre flores e sorrisos abertos. Gostava de escrever sobre riachos límpidos e crianças em algazarra. Sobre o cheiro a terra que se entranha na pele e os pores do sol e os nasceres das luas cheias.... e os amigos que falam mais alto... e os apelos do sangue que gritam aos meus ouvidos. Sons que aconchegam.
Gostava de escrever sentido e sentindo, mas caramba o copo meio vazio teima em ganhar força. E olho para o meio cheio e por momentos o ânimo espalha-se pelos meus vazios. E tenho a ousadia de tentar encher o copo todo. E por momentos consigo.
Ciclos, ciclicos em ciclos...
E agarro-me aos pensamentos felizes, porque os pensamentos felizes permitem-me voar (isso ou pó de fada). E eles permanecem e desaparecem à mesma velocidade estonteante em que vou vivendo... a viver.
E será sempre assim...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Ao cimo de mim

Subi, escalei, galguei... ultrapassei rios, riachos, poças de lama... caí, levantei-me, voltei a cair... mantive-me lá em baixo o tempo necessário para me erguer com força e reaver o meu sorriso (já cá está deste lado).
Rastejar??? Nunca... fiquei imóvel até os ossos colarem.
Rasguei o meu Mundo e outros Mundos... enchi-me de nódoas negras... sangrei e chorei (finalmente).
Cicatrizes??? Coberta delas. Algumas completamente fechadas, outras que ainda vão rebentando. Mas sempre e sempre sem problemas de coluna.
Acreditar??? Ainda não, ainda não dá, ainda é muito cedo... ou talvez já seja tarde demais.
Mas mantem-se uma teimosia surda... e por vezes cega... em chegar lá, mesmo sabendo que isso levará mais que uma vida e já vem das outras vidas.
E vai ser sempre assim...

"Teimoso subi, ao cimo de mim, e no alto rasgei, as voltas que dei", Beijo Leve Triste, Paulo Gonzo

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Procura(mo-nos)

Levanto uma pedra, e depois outra, e mais uma, e ainda aquela ali mais há frente. Afasto uns quantos arbustos. Desvios uns cortinados. Vejo debaixo do colchão. Viro a mala em cima da mesa e remexo em tudo.

Tento saber quem sou e acima de tudo o que sou.

Vejo-me e revejo-me ao espelho, em vários ângulos, qual narciso... espiolho-me da cabeça aos pés. E nada.

Tento que vejas quem eu sou... desesperadamente. Levo uma vida a tentar que vejam quem eu sou. E nada. Que angustia, que esforço inglório, que luta... perco as forças. E é aí, quando se perdem as forças, que está a resposta. É aí o fim do arco-íris. É aí que está o pote de ouro.

A cada misunderstanding é um passo atrás, um recuo, um fechar na concha. E aprendo a viver assim e deixo de querer que me conheçam, que me compreendam. Passo a fazer questão que não me conheçam. É ponto de honra... arrongante.

E compreendo que eu é que tenho de me compreender e aceitar. E passo a olhar para dentro, sem egoísmos finalmente, e a gostar do que vejo. Genuína... sempre.

"And I don't want the world to see me, Cause I don't think that they'd understand. When everything's made to be broken, I just want you to know who I am ", Iris, Goo Goo Dools