sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Manual do Amor - I

Leva-me para a cama.

Certifica-te que os lençóis são imaculadamente brancos e não têm um único vinco. Lisos, bem esticados. A debruar o lençol de cima uma renda antiga, a mesma que está nas almofadas, e que muito provavelmente foi desenhada por uma avó, à luz de uma vela antiga.

Deita-me devagar, não me acordes do entorpecimento doce que sinto. Deixa-me ficar assim, entre esta vida e a outra.

Vigia este meu sono de perto e aprende que tens de esperar que eu desperte. Com a paciência e a devoção de um mestre sábio de outros tempo, espera.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

(re)Encontrar

Este calor que me sufoca.
O suor que escorre, ligando a nuca à base das costas.
Empapada por este verão procuro-te em desespero.

Até que desisto.
Sento-me no chão fresco.
Ponho os braços e as mãos em cima do colo.

Até que relaxo.
Pescoço, costas, braços, pernas.
Tudo,

Até que me descubro.
Neste calor que me sufoca consigo, finalmente, ver-me.
Reencontro-me.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Nós

Quero ver-te completo, como és, todas as manhãs.
Olhar-te nos olhos e chamar-te "amor meu".
Sentir que tudo em ti permanece jovem.
Nem uma ruga, nem uma sombra no olhar.

A mim vão-se fechado os olhos e as esperanças.
A pele enruga-se e eu também.
A mente, sempre a funcionar à velocidade da luz, vai-me pregando partidas.
Esconde-se atrás de paredes grossas
e a memória esvai-se.

Mas estaremos aqui, os dois, de pé.
Até ao último dia.
Tu forte e seguro.
Eu, aninhada em ti, em busca de mim.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Ser poeta

Ser poeta é voar alto nos sonhos,
Reescrever a vida e o mundo.

Ser poeta é brincar com as palavras,
E reinventar as dores e as amarguras.

Ser poeta é cantar o amor, alto, bem alto,
É elevar o canto dos pássaros ao infinito dos céus,
E a seguir colocá-lo nos ouvidos de uma criança.

Ser poeta é esfolar os joelhos e a alma,
É sangrar por dentro dia e noite,
Para que o tal do amor prevaleça.

Ser poeta é carregar na mala a esperança,
E soltá-la, largá-la ao vento,
E esperar que volte.

Ser poeta é pôr lágrimas no papel,
onde as linhas se esbatem e as palavras vão crescendo.

Ser poeta é ser gente.


quinta-feira, 8 de junho de 2017

Amores

Há dias em que me apetece ficar deitada.
Uma imobilidade imposta.
Roupas soltas por onde as tuas mãos possam entram.
E assim fico. Respiro somente.
Sinto as tuas mãos percorrerem o meu corpo.
Tocam-me a pele. Milímetro por milímetro.
E eu ali estou. Respiro somente.
Sinto a minha existência na totalidade.
Sinto a minha existência na ponta dos teus dedos.
E adormeço enfim.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Casa

Quero regressar a casa.
Regressar a mim.
E não voltar a sair.

Quero encostar a cabeça na minha almofada.
E dormir.
Estar.

Deixar a porta encostada.
Reencontros com os meus.
E regressar a mim.

Quero-me de volta.
Se é que alguma vez me tive.
Karmas.


sexta-feira, 3 de março de 2017

Ponta da vida

Equilibrar-se na ponta da vida

Afinal o mundo não é redondo.
Foge para o canto
Tenta refugiar-se aí.

Equilibra-se na ponta da vida
Rola com o mundo
Abre sorrisos
Espalma as mão na terra.

Equilibra-se na ponta da vida
Numa instabilidade agonizante.
Abraça o medo
Abraça a luta.
Permanece ali
Entre o canto e a luta.
Uma doença que lhe vinca a pele

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Para mim heróis

Guardo-os na minha memória com a mesma juventude de outrora.
Uma forma de me sentir pequena, de colo.
Uma forma de enganar a idade.
De me enganar.
Lembro as coisas boas e tento apagar as dores recentes que temos vivido juntos.
Uma forma de tentar acreditar que a vida tem cores arco-íris brilhante.
Que isto vale a pena só por eles.
Que para mim são heróis.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Paper I

Com a cabeça partida em mil pedaços enfrento uma página em branco de um computador.
Tento mudar para papel.
O resultado é o mesmo.
Para já.
Talvez uma cabeça em cacos se possa mesmo reconstruir a partir de uma página em branco.


segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Enquanto por aqui andar.

Demasiado apegada ao meu eu, volatilizo-me sem que ninguém me veja.
Procuro a minha terra.
Judeu errante?
Procuro um solo onde pertença, onde possa poisar os pés.  
E ultrapasso mais de meio da vida sem encontrar o meu pedaço de terra.
Começo a desapegar-me.
Devagar.
Sinto.
Até o meu pedaço de terra deixa de ter a mesma importância.
Talvez nunca o encontre.
Talvez não seja suposto que ele exista.
Talvez chegue que me emprestem um onde caiba... enquanto por aqui andar.


quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

WANTED...

PROCURAM-SE: amantes de livros para participar numa experiência. Comenta esta mensagem se quiseres participar e eu vou enviar-te uma mensagem privada com todos os detalhes. O que tens que fazer? Compra o teu livro favorito e envia-o para um estranho (eu indicar-te-ei um nome e endereço.) Só terás que enviar um livro para uma pessoa. O número de livros que receberás depende do número de participantes. Os livros que vão aparecer na tua porta são as histórias preferidas de outras pessoas. #SaveTheCulture #BookExchange
#2 Esta é a pessoa que me fez o desafio e para a qual deves enviar um bom livro (novo ou usado):Cristina oliveira 
#3 Este é o meu endereço que deves partilhar com os teus amigos para que me enviem os seus livros: Teresa,
(os endereços dou por MP)



terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Palavras

Quando dizemos muitas vezes uma palavra ela torna-se, somente, um amontoado de letras sem qualquer significado.
E eu sempre falei demais.
Repeti palavras que admirava,
palavras de que gostava,
palavras banais com anseios de estrelato.
Simples palavras.
Quantas e quantas vezes as palavras não me caíram da boca,
aos tropeções,
para se despenharem num chão cinzento.
Ali, amorfas, sem vida,
sem sentido.
E eu continuava a cuspi-las a um ritmo feroz.
Gostava de as ouvir saírem pela minha boca.
Gostavam do efeito que produziam em mim.
Bonitas palavras.
Sentidas.
Sofridas.
De alegrias vãs.
Bonitas palavras que ninguém apanhou.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Exercício III - Elisa



A esperança é um engodo. Atrai-nos na sua teia, prende-nos os movimentos e suga-nos até cairmos exaustos.
Procurei por Elisa durante anos. Percorri os seus caminhos habituais durante meses a fio. Ou, pelo menos, aqueles que eu achava serem os seus caminhos. Senti-me a pisar as mesmas ervas, as mesmas pedras, o mesmo chão que Elisa. Uma forma de a ter.
Virei todas as esquinas de Lisboa, sempre convencido que era ali que iríamos voltar a tropeçar um no outro e, agora sim, permaneceríamos para sempre.
Perdi a conta ao número de vezes que gritei o seu nome durante a noite. Para depois abrir os olhos e encontrar o vazio da sua ausência. Pedro a conta ao número de vezes que te acaricie a pele e fizemos amor devagarinho... em sonhos.
Naquele dia decidi que era a última vez que faria o seu percurso de comboio. Seria a última vez que percorreria os caminhos de Elisa. Sentado no comboio, cansado, voltei a casa. Retive na memória o sorriso que o revisor me entregou.
Abri a porta de casa e olhei em frente, como sempre fazia em modo de ritual. Elisa estava sentada na ponta do sofá, pernas juntas, mãos nos joelhos. Nos lábios o batom vermelho vinho.


quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Exercício II - Elisa





O sorriso de Elisa. Aquele sorriso aberto que a maior parte das vezes termina numa gargalhada contagiante. Ria com a cara toda. Os olhos semi-serravam-se. Um traço fino de fundo azul, quase imperceptível.
Lembro-me bem de encontrar no Bairro Alto, o dos artistas, numa galeria da moda, com um ar propositadamente decadente, um dos escritores da moda, apesar da idade avançada, também ele com um ar propositadamente decadente... e um copo de whiskey na mão. Elisa tinha ficado em casa. Há algum tempo que tinha começado a ficar em casa. Sem razão visível, sem se preocupar sequer em inventar uma desculpa.
O escritor parou à minha frente, um obstáculo, e durante mais de meia hora não me deixou fugir. . Perguntou pelo sorriso de Elisa. E eu rebusquei uma desculpa no bolso do casaco, e passaria a usá-la sempre que estes obstáculos se impusessem no meu caminho. Já não me lembro que foi.
E durante mais de meia hora relembrou o piquenique em que Elisa declamou, com a sua voz profunda que lhe abandona o corpo, a sua poesia. “Elisa brilhou”, disse o escritor. Elisa brilhava sempre.
Vestia quase sempre o mesmo. Nesse piquenique tinha umas calças de ganga, tshirt e botas. Nada de especial, como gostava de andar.
Tudo em Elisa era especial naquele dia e em todos os dias, como sublinhou repetidamente o escritor durante aquela mais de meia hora
Acho que a certa altura deixei de o ouvir. Na minha cabeça ecoava uma pergunta. “Onde é que perdi Elisa?”

Exercícios I - Elisa


Aquela manhã mudou toda a sua vida, e a nossa. Aquela manhã em que se arranjou de forma cuidada. Via sentada em frente ao toucador do nosso quarto a pôr, com todo o cuidado o seu batom vermelho vinho. Estava linda. E eu ainda a amava.
Ao contrário do costume sobrou-lhe tempo antes de sair. Gastou-o sentada na ponta do sofá, pernas juntas, mãos nos joelhos. Os olhos fixos num qualquer ponto imaginário que não consigo adivinhar. Estática. Pareceu-me ver uma lágrima a escorrer-lhe pela cara. Mas desviei o olhar. Cobarde.
Às 8h22, em ponto, despediu-se de mim com o beijo de raspão do costume, não estranhei, e saiu calmamente para apanhar o comboio para Lisboa.
Já não voltaria. Só eu ainda não tinha percebido que há muito que ela já lá não estava.
Elisa subiu a avenida do bairro de subúrbio onde sempre morámos. 21 anos. Só depois de ela sair me lembrei que fazia, precisamente naquele dia, 21 anos que tínhamos entrado naquela casa cheios de sonhos e planos. Um cliché. Fiz questão de a pegar ao colo para entrarmos juntos, como iríamos ficar. Na altura magoou um cotovelo que bateu na ombreira da porta. Um mau augúrio. Rimos.
Eu já vivia nos arredores de Lisboa fazia alguns anos. Elisa ainda tinha a mítica pureza de quem sempre viveu na aldeia, mesmo durante os anos em que tirou o curso na Faculdade de letras de Lisboa. Tão típico. Tão há filme.
E como nos filmes os anos e a vida que fomos vivendo tirou-lhe o sorriso aberto, franco, com que nos primeiro anos me brindava ao acordar.
Só muitos anos depois, um dia com nada de especial, percebi que Elisa já não sorria. Mas, desde quando? Não soube responder-me. Nesse dia voltei-me para o outro lado, tapei a cabeça como o lençol branco bordado, do enxoval de Elisa, e voltei a dormir.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Cantos

Encaixei-me no canto do meu ser indigo.
Corri assim todas as ruelas e travessas recônditas deste lugar.
Nada a fazer, nada mais a fazer.
O chão podre estala debaixo dos pés.
Tento não fazer barulho. Tentamos.
O indigo, cor por excelência, tenta recompor o que se estragou na passagem dos anos.
Nada a fazer, nada mais a fazer.
Nem o cristal ja nos consegue levantar.
Estamos contaminados. Estou.
Sento-me no chão, encaixo-me no meu canto.
E fico a ouvir um canto cristalino, muito ao longe.
A chamada para a morte.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Lutas

Na luta arregaço as mangas,
Cerro os punhos.
Mordo os lábios.

Na luta esmoreço,
Penso em desistir, umas mil vezes,
Deito tudo fora.
Para depois voltar a ir buscar ao fundo do caixote.

Na luta sigo em frente,
Olhos abertos,
Ouvidos à escuta.

Na luta levo comigo os irmãos que ganhei.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Poetizar

Também se pode poetizar a sorrir.
Disseram-me.
Não sei se acredite.
Nem sempre me dizem a verdade, ou a verdade toda.
Fico à espreita.
Desconfiada, confesso.
Mas com as esperança no colo.
A esperança de que seja mesmo verdade.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Ele há dores..

Ele há dores de que mal se fala...
e muito menos se escreve
para que não fiquem gravadas, escarrapachadas em frente aos nossos olhos,
a obrigarem-nos a recorda-las para sempre.
Esta é uma delas.
Foi só um sonho mau.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Olhos

Tristes olhos estes que guardam segredos sem fim.
Tristes destes olhos que tudo neles contêm.
E quando não aguentam vertem tristezas e dores.
Num desânimo em desalinho.
Tristes olhos estes que tudo guardam menos a dor de se sentirem tristes.