quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Exercício II - Elisa





O sorriso de Elisa. Aquele sorriso aberto que a maior parte das vezes termina numa gargalhada contagiante. Ria com a cara toda. Os olhos semi-serravam-se. Um traço fino de fundo azul, quase imperceptível.
Lembro-me bem de encontrar no Bairro Alto, o dos artistas, numa galeria da moda, com um ar propositadamente decadente, um dos escritores da moda, apesar da idade avançada, também ele com um ar propositadamente decadente... e um copo de whiskey na mão. Elisa tinha ficado em casa. Há algum tempo que tinha começado a ficar em casa. Sem razão visível, sem se preocupar sequer em inventar uma desculpa.
O escritor parou à minha frente, um obstáculo, e durante mais de meia hora não me deixou fugir. . Perguntou pelo sorriso de Elisa. E eu rebusquei uma desculpa no bolso do casaco, e passaria a usá-la sempre que estes obstáculos se impusessem no meu caminho. Já não me lembro que foi.
E durante mais de meia hora relembrou o piquenique em que Elisa declamou, com a sua voz profunda que lhe abandona o corpo, a sua poesia. “Elisa brilhou”, disse o escritor. Elisa brilhava sempre.
Vestia quase sempre o mesmo. Nesse piquenique tinha umas calças de ganga, tshirt e botas. Nada de especial, como gostava de andar.
Tudo em Elisa era especial naquele dia e em todos os dias, como sublinhou repetidamente o escritor durante aquela mais de meia hora
Acho que a certa altura deixei de o ouvir. Na minha cabeça ecoava uma pergunta. “Onde é que perdi Elisa?”

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