terça-feira, 28 de abril de 2009

Respirar

Sinto as respirações... compasadas agora... mais corridas depois. E fecho os olhos. Respiro. Respiro-me. Lembro-me de repirar. De sentir os cheiros que me envolvem e me assaltam. E com os cheiros exprimento sensações de pele... que se arrepia... que está viva.
Sinto milimetricamente as respirações... as minhas... as tuas... as nossas... as que deambulam em meu...nosso... redor, que rodopiam em movimentos estranhamente curiosos.
Fico alerta e tento não parar de respirar e de sentir as repirações. Num esforço... grande... enorme... continuo a respirar. E os cheiros que de novo me invadem e me percorrem por dentro do corpo e do ser!
Sinto outra vez as respirações... devagarinho... timidas... voltam a respirar.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Shiuuuuuu!!!!!!!!!

Percorro um vão de escada e sento-me no terceiro degrau a contar do nada... e poiso os pés três degraus acima... ou ao lado.
E páro o cérebro, só para ouvir os silêncios prolongados que surgem por todos os caminhos caminhados.
Silêncios de mares... no fundo de uma estrela do mar...
Silêncios de pedras... pisadas, andadas, corridas, atiradas...
Silêncios pelos silêncios... Silêncios mudos... Silêncios que gritam sem sons...
E nos silêncios oiço o tique-taque do cérebro que parei... e que borbulha pelo momento de voltar a rebolar-se na areia húmida de um qualquer início de dia quente.
Porque é no início dos dias bem quentes que se ouvem melhor os silêncios... com o ouvido encostado às pedras... com grãos de areia... e a água de um mar sem sal a invadir-nos os dedos dos pés.
Uma porta mágica para o infidável do infinito.
Shiuuuuu!!! Levanto os pés dos degraus... vai começar tudo outra vez.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Espinhos de Abril

Um espinho de cravo crava-se-lhe numa perna, bem junto ao joelho, à articulazção do joelho, e imobiliza-a.
Espinhos na alma? No ser? No coração? Demasiado banal... demasiado visto... demasiado ouvido. Aí cravam-se estacas... algumas bem fundo.
Retira o espinho sem contemplações e prosegue o caminho arenoso enquanto um fio de sangue, que rapidamente se atorrenta, lhe escorre pela perna e lhe encharca a meia.
Sapatos na mão... descalça as meias e deixa que o seu sangue humedeça primeiro a areia e depois se misture nela, e com ela crie uma pasta respirante em redor do pé.
Não será um espinho de cravo que lhe tolherá os movimentos... lhe turvará a visão... ou lhe retirará a liberdade serena... não será um espinho de cravo num Abril...

sábado, 18 de abril de 2009

Portas

Encontrei mais uma porta. Entre uma caneca de café quente e pensamentos... serenos... ponderados... calmos.
E de repente o sentido dos sentidos e dos sentires invade as minhas salas, os meus poros, as minhas entranhas. E espalha-se... em luz.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Na ponta dos dedos

Uma chuva miudinha entranhou-se-lhe na carne e começou a roer-lhe os ossos. Mas mesmo assim sorria. Lídia sorria à vida apesar de tudo, apesar dos pesares... e mesmo em dias muito pesarosos.
Esta chuva mais que miudinha também lhe lavou a roupa, a pele, as lágrimas, a alma.
Lídia caminhou durante três horas debaixo da chuva miudinha, de chapéu esquecido na mão. Ou terão sido três dias? Três anos?
Lídia gastou uma vida a caminhar à chuva... ficou sem créditos.
Mas Lídia sorria com a certeza de que via, como ninguém, um arco-iris. Mesmo com a névoa que lhe cobria a vista desde que viu a luz do dia.
Lídia via na ponta dos dedos as cores e os cheiros da chuva.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Querer crer

Querer criar... crer em criar... crer...crer...crer...
Querer crer que se quer, mesmo o que já não se quer e não se crê.
A dúvida no que ainda se crê... se é que ainda se pode crer. Porque querer pode-se sempre.
E queremos o Mundo, sem crermos no Mundo... com paixão.
A paixão do crer que se perde nas vielas da vida, que se vai esboroando, desfiando, desviando... até se tornar numa pasta de lama... que borbulha em cadências incompreensíveis.
Mas nem tudo tem de ser intendível... e a paixão... e o crer... não se entendem... sentem-se, vivem-se... muitas vezes quase ao sufocamento...
... muitas vezes quase até ao limite da linha, altura em que a pasta de lama se molda e vai criando formas e fórmulas.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Pontinhos

Um pequeno pontinho que engradece e se agiganta... que se resume a ele próprio... que oscila e gira e rola e roda e rebola... sempre ao sabor das vagas. Com o cheiro do mar lá longe colado à pele. Num piquenique com praia e mata... areia e caruma... formigas, muitas formigas que passarinham nos intervalos das milgalhas que lhes deixam propositadamente, como se de uma atitude negligente se tratasse. E as carregam sem esforços e sem queixumes e sem lamúrias.
E no final do dia... e no final da vida... enrola-se a toalha de quadrados, recolhe-se o lixo e espera-se que o Verão volte a chegar.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Abraços

Baixinho gritou-lhe um abraço.
Estremeceu profundamente. Do abraço? Do grito sussurado pela manhã?
Nunca saberá... nunca saberão.
Porque às vezes o nunca existe para sempre... tem de existir.
Nem que seja tirado a ferros de um sempre.
Sempres que não existem... a não ser que possa haver nuncas.
Gémeos... siameses... inseparáveis... indissociáveis...
Abraçados para sempre... sem nunca se apartarem por mais de alguns breves segundos.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Memórias

Lembrei-me de ti hoje. Como deves estar crescida.
Como já não nos reconheceremos... de forma alguma...
Lembrei-me com as saudades das memórias.
As piores saudades de todas... que também podem viver como as melhores.
Sim, porque a memória e as suas memórias atraiçoam... no bom e no mau, no melhor e no pior.
Tentamos agarrar o lado bom e logo se arrasta por entre o chão, subindo-nos por uma das pernas... só por uma... enrolando-se desde a cintura ao pescoço e apanhando-nos os braços... as saudades.
Que nos imobilizam e paralizam e tolhem movimentos.
Por requinte de malvadez deixa-nos rodar o pescoço em 360 graus... para a esquerda e para a direita.
E aí procuramos desesperadamente uma nesga de luz que nos indique o caminho.
E aí procuramos com avidez qual o percurso que queremos seguir... queremos um com menos altos, menos pedras, menos curvas e contracurvas.
E quando finalmente essas saudades voltam a soltar-nos o corpo acabamos invariavelmente a escolher o caminho mais irregular!
E lá voltamos a erguer a cabeça e a caminhar... primeiro a medo... depois com outra confiança recém adquirida.
Lá voltamos a cometer alguns dos mesmos erros e outros novos acabadinhos de inventar.
La voltamos a soltar risos e gargalhadas... aplausos à vida... até...
Até um dia!!!

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Silêncios barulhentos

Encosto-me a uma parede. A transpiração que nunca tive escorre-me pelo corpo. Imagino uma pequena poça de água com sabor a sal ao lado do meu pé esquerdo... e choro. Nem sei bem porquê, mas choro. Apetece-me, pronto... choro.
Importam-se?
Estranhamente as lágrimas não querem abandonar-me os olhos. Mas eu, num imenso exercício de teimosia, choro durante horas. Encostada a uma parede qualquer. Sem noção de onde apareceu aquela parede e onde foi posta. Sem lágrimas.
É aquela... poderia ser outra qualquer.
O barulho ensurdecedor do silêncio fere-me os tímpanos.
O silêncio do Mundo é esmagador.
O silêncio das formigas que correm apressadamente pelas ruas, sempre de sorriso fechado... sempre prontas a cobrar...
O silêncio dos carros, motas, bicicletas em passos apressados...
O silêncio dos passos pequeninos...
O silêncio do burburinho de conversas gritadas ou sussurradas.
Passei a ouvir tudo muito ao longe... até só querer ouvir estes absurdos silêncios.
Que agridem e confortam.
Que empurram e curam as feridas.
Que esmagam, mas carregam ao colo.
E as lágrimas, tão teimosas, que não caiem... à demasiados segundos.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

De pés neste chão

Poiso um pé... devagarinho. Depois o outro.
E escolho percorrer assim o Mundo... a partir de agora.
Não fazer barulho.
Não chocalhar.
Não acordar mais monstros adormecidos milenarmente.
E fazer assim a diferença.
Efeito surpresa!
A serenidade na ponta das mãos... nos dedos.
Ensinamentos tão milenares quanto os monstros de várias vidas.
E a possibilidade de sermos diferentes a cada momento.
A alegria de podermos ser incoerentes...ou parecer... sem sermos inconsistentes.
Sem traições... mesmo assim.
Honestidades.
Poiso outra vez o primeiro pé... devagarinho. E mais uma vez o segundo pé.
Num silêncio estrondoso... a partir de agora.
Um silêncio que chocalha, faz barulho, abana... e ensurdece os monstros milenarmente adormecidos.
Reposicionamentos mil... à velocidade do Mundo.
Entre abraços mil... sorrisos... lágrimas secas.
Correrias pelo Mundo... sem barulhos... em silêncios ensurdecedores.
E num salto veloz outros Mundos se abrem... automaticamente... de portas escancaradas e braços abertos, prontos para se fecharem sobre os nossos ombros... sem apertarem em demasia, sem quererem asfixiar.
Ir e vir.
A asfixia... viscosa... escorrega-nos das mãos, por entre os dedos, até se esborrachar na terra seca e sem vida além da vida.
O óbvio que sempre lá esteve... que só agora entra pelas órbitas dos olhos sem lentes filtrantes.
A escolha a cada instante.
A alegria do livre arbítrio.
Sem mais julgamentos sumários minuto a minuto... segundo a segundo.
A relatividade.