quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Saída


Enrosquei-me em mim mesma. Deitada no chão de madeira gelado, com a alma em pequenos pedacinhos de vidro que me iam rasgando por dentro. Parecia não haver saída. Durante aqueles menos de dois anos, que pareceram a minha vida inteira, traí.
Ahhhhhh!!! A tão famosa traição escrita a sangue nos livros e cantada nos versos dos trovadores dos tempos. A traição que causou mortes e desatinos das maiores das heroínas. A traição… esse veneno que mata lentamente… que corrói tudo… que aniquila por onde passa… que faz o sol murchar e nos tira o brilho.
Tinha de morrer e nascer de novo se queria continuar. Tirar aqueles estilhaços que se estavam a cravar na minha carne. Um por um. E deixar sangrar.
Aquele espelho enorme há minha frente que me aumentava… que me mostrava aos mais ínfimos pormenores a dimensão da minha deformação… agigantada pela dor da traição.
Tentei enroscar-me ainda mais sobre mim mesma. Até ficar irreconhecível. Impossível. Eu já não me reconhecia há tanto tempo. Foram perto de dois anos. Meses a fio. Semanas infinitas. Horas incontáveis. Segundos. Tantos segundos desperdiçados fora de mim.
E onde estava eu por esses tempos? Agora… ali… naquele chão gelado de finais de primavera… tudo o que ficara para trás era um emaranhado de dor onde me perdi por opção. Onde é que eu me larguei dois anos antes?!?!
Ali permaneci. Paralisada. Com centenas de lágrimas secas a inundarem-me a cara num rasto de dor. Essa ficará cravada em mim para sempre. “Tirem-me esse espelho da frente!!!!!!!!!”, gritei em silêncio. “Tirem-me a mim da frente…”, murmurei com as forças perdidas. Fiquei.
Até que um dia, anos depois, ou horas não sei bem, me levantei… corpo dorido… cambaleante… alma ainda em pedaços. Uma determinação até aí em mim e por mim desconhecida. O medo de me enfrentar estava a enfraquecer aos poucos. Diluía-se na memória do que foi bom. Do que fui eu. E pedi desculpa. Pedi-me desculpa por um dia ter ousado não ser eu.

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